O Supremo Tribunal estabeleceu um precedente relevante no direito sucessório ao declarar que a inatividade ou o silêncio processual do herdeiro não podem ser interpretados como aceitação tácita da herança, anulando assim a sentença proferida pelo Tribunal Provincial de Granada contra os filhos do falecido por diversas dívidas relacionadas com a herança.
O falecido, faleceu em agosto de 2013, deixando um testamento no qual concedeu à sua esposa o usufruto universal e vitalício da sua herança, designando os seus filhos como herdeiros em partes iguais.
Após a sua morte, a viúva, na qualidade de usufrutuária, intentou uma acção judicial contra os filhos, reclamando o pagamento de diversas despesas: prestações da hipoteca, impostos, custos de manutenção e sustento, despesas relacionadas com o veículo, despesas médicas e serviços funerários. O montante total reclamado foi de 35.644 euros.
O Tribunal de Primeira Instância rejeitou a ação, considerando que os filhos não tinham aceite a herança e, por isso, não tinham legitimidade para serem processados e ordenou-lhes que assumissem pessoalmente essas dívidas.
No entanto, o Tribunal Provincial de Granada anulou parcialmente esta decisão e concluiu que a falta de resposta de um dos filhos à acção equivalia à aceitação tácita, ordenando-lhe que pagasse parte das despesas solicitadas.
O caso chegou ao Supremo Tribunal através de recurso. Na sua sentença proferida a 25 de setembro de 2025, o Supremo Tribunal corrige fortemente a decisão do Tribunal Provincial.
O Supremo Tribunal recorda que, de acordo com o artigo 999.º do Código Civil, a aceitação tácita exige a prática de atos pelo herdeiro que revelem inequivocamente a vontade de aceitar a herança, tais como como dispor de bens herdados ou praticar atos de gestão ou administração em seu próprio nome.
A mera passividade processual, insiste o Tribunal, não constitui um acto conclusivo ou uma manifestação de vontade.
Além disso, realça que o único mecanismo legal que permite que a inatividade seja considerada como aceitação é a notificação notarial regulada no artigo 1005.º do Código Civil, após a reforma introduzida pela Lei da Jurisdição Voluntária. Esta disposição estipula que, se o herdeiro não responder a uma notificação notarial válida, a herança é considerada aceite. No entanto, o Supremo Tribunal sublinha que uma citação judicial não equivale a tal exigência, nem pode produzir os seus efeitos.
Consequentemente, até que o herdeiro declare expressamente a sua vontade ou pratique atos de aceitação tácita em sentido estrito, a herança permanece vaga, não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade pessoal pelas dívidas herdadas.
Com base nisto, o Supremo Tribunal conclui que o filho recorrente não tinha adquirido o estatuto jurídico de herdeiro e, por isso, não podia ser condenado a pagar as dívidas reclamadas pela usufrutuária viúva. A sentença restabelece, assim, a decisão inicialmente proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
A decisão do Supremo Tribunal consolida uma doutrina que reforça a segurança jurídica na fase de transmissão da herança: a aceitação da herança, seja expressa ou tácita, deve sempre resultar de uma vontade clara e inequívoca e não pode ser presumida por inatividade, passividade ou silêncio num processo judicial.